quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Machado

Não era algo que chamasse atenção.
Mas chegava a ser interessante, por vezes, vê-la se contradizer.
Algo do tipo "gato escaldado" ou "em casa de enforcado".
Fazia o tipo desligada, desapegada, despretensiosa e por vezes 'durona', esperando o príncipe do cavalo branco enquanto assiste a filmes da infância
Não a culpo, deve ser algo de fábrica, inerente às mulheres, tipo seios: mais, menos... todas possuem.

Ela era assim, embora tentasse disfarçar, esconder, fora abençoada pela natureza.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Ana

Três letras, duas sílabas.
Um nome comum.
Talvez esta descrição fosse perfeita para ela: curta, direta, comum.
Mas não um comum qualquer. Um comum difícil de encontrar hoje em dia.
Não falava de aparência, por sinal bastante comum: tez morena, curvas acentuadas e volumosas. Estatura média, olhos escuros, cabelos escuros, boca miúda.
Era a incomum forma como ela tirava o cabelo que caía em seus olhos quando falava.

Talvez ela mesma nem se desse conta.

Uma tira de cabelo inconscientemente separada das demais, especialmente designada para tal função.

Repousar suavemente na frente daqueles olhos comuns, para ser suavemente reposta ao lugar de origem por aquelas mãos comuns, enquanto a boca comum pronunciava palavras de desilusão e confiança.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Sobre água e carros

"Alô, quem fala?"

"Não importa."

"Hã? Quem fala?"

"Só preciso de cinco minutos."

"Sim, mas preciso saber... Espera aí, é você?"

"Não importa."

"Agora tenho certeza que sim."

"Pode ser, mas não importa, quero apenas cinco minutos."

"Como conseguiu meu telefone e por que a essa hora?"

"Telefone, não importa. A hora, estou com sede."

"Sede? Mas do que diabos...?"

"Não gosto nem preciso tomar água, mas se serve de desculpa, o determinismo biológico diz que estou com sede."

"Se for você mesmo e se eu estiver acompanhando o raciocínio, porque simplesmente não conversou com um estranho na rua, ou com o caixa do supermercado? É você mesmo?"

"Vejo que continuas a mesma. Se sou eu, já disse: não importa. Quanto a conversar com estranhos, costumava ser suficiente, mas desde de que bebi de uma água específica, os intervalos de sede se tornaram cada vez menores e insaciáveis."

"Se ainda acompanho, estás a falar de paixão? saudade?"

"Paixão é algo humano, o que sinto está mais para 'dependência química'. Saudade é sentir falta e querer de volta; sinto falta apenas."

"Impossível sentir falta e não querer de volta, ver novamente"

"Compraste um carro novo e sente falta do antigo. No entanto não queres o antigo de volta."

"Sabe, eu gosto de você..."

"Mesmo que fosse verdade, impossível gostar de alguém em apenas uma conversa e ainda mais se for tão louca quanto essa e isso não tem haver com água ou carros."

"Se essa for a primeira vez que conversamos..."

"E se eu for quem achas que sou..."

"Já teria desligado caso contrário..."

"Acho que já é o suficiente, cherie."

"Então é isso, ficamos por aqui e... como? cherie?! eu sabia que era v..."

Já passara os cinco minutos e era mais do que o suficiente. Desligou o celular que voltou a tocar insistentemente algumas vezes. O toque foi friamente escolhido e a música o ajudou a dormir. Não bebeu mais daquela água desde então, sabia como era perigoso saciar-se duas vezes na mesma fonte.

No supermercado

Nota: as frases em parênteses referem-se a pensamentos. Em aspas, falas.

18:30
O supermecado, que costuma ser um sítio agradável, está abarrotado de pessoas. Bem, é sair na chuva e não querer se molhar.
Pulando as partes chatas de: esbarrar nos outros e ter que pedir desculpas; crianças mal-criadas gritando; Idosas perguntando o preço de produtos e ter que escutar problemas de estranhos na fila quilométrica, chegou ao caixa.
Era uma jovem bem maquiada. Cabelos pretos presos e olhos de peixe morto com olheiras. Apresentável até mesmo para um caixa de supermercado.

"Boa noite, senhor. Cartão da loja?"

Seria a rotineira e chata pergunta, se não fosse pelo fato de que a voz da simpática caixa ser extremamente normal.

"Não." (Quantas vezes terei que repetir...)

"Trinta e dois reais e quarenta e quatro centavos."

"Débito." (Idiota... eu sei ler...)

"Sabe, hoje é meu último dia aqui. Vou ser transferida para outra unidade..."

(Sim, e o que tenho haver com isso?) "Hmm... sério?"

"Sério..."

(Já não basta na fila? E agora no caixa... bah...) "Então... Chey...anne, achaste melhor ou pior?" (Que nome!)


"Hã? Como sabe meu nome? Ah... o crachá..."

(Idiota...)

"Bem, não queria sair daqui... mas fazer o que?"

"Longe de casa?"

"Não, mais perto..."

"Salário menor?"

"Não, maior... Pode retirar o cartão."

"Ah, obrigado. Então..."

"Eu não sei..."

(Hmmm... respostas interessantes... parece ser interessante... mais um pouco e descubro onde mora e o telefone. Pode ser que me sirva depois. O que? Mas o que...?? Estás maluco??) "Bem, Cheyanne, boa sorte no novo lugar."


"Obrigado pela atenção. Boa noite."

O que essas pessoas tem em comum? Não era a primeira vez que vinham se "confessar" a ele. Claro, não se achava especial por isso, muito pelo contrário, seria a pessoa menos indicada para ouvir outras. Odiava, mas faz parte das convenções sociais...

Na saída, viu um bar cheio de pessoas e agradeceu por ter ido ao um supermercado cheio de pessoas.

domingo, 18 de abril de 2010

Quando criança

"Quando criança, contentava-se com as coisas mais vis: pedras fúngicas, insetos pegajosos ou tampinhas enferrujadas...
Quando criança, ficava feliz em achar cinquenta centavos na beira da calçada...
Quando criança, não se sentia só e se se sentisse, criava amigos para fazer-lhe companhia...
Quando criança, as horas se passavam lentamente e cada segundo era aproveitado de forma suada e suja...
Quando criança, havia-se inúmeras coisas para se descobrir, até mesmo o que nem se quer vá um dia existir...
Quando criança, todos os problemas, além de fácil resolução, pareciam ter um solução...
Quando criança, os doces eram doces...
Quando criança..."

"Crianças são idiotas."

Pensou, enquanto rasgava mais um texto e concluía que já era tarde, muito tarde.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Miseralvemente infeliz

Foi uma noite incomum. O castelo de sombras em que se escondia estava falho e deixava entrar, por não se sabe onde, raios de luz viscerantes e, de repente, sentiu-se incomodado por aquilo que antes costumava fazê-lo tão mesquinhamente feliz: a solidão.
Sim, ela mesma, dá paz, alívio e inspiração. Alimenta os pensamentos mais nuviosos.

Saiu. O clima úmido daquela noite escaldante fez lembrá-lo de odiar ainda mais aquela fétida cidade.
Encontrou-se com uma meia dúzia de sócias¹ (nada relevante por se tratar de uma mera convenção social, a exemplo das tantas outras relações que era obrigado a manter) e foram ter no local marcado. O objetivo dele no entando era outro: sentir o quanto era macambúzio.
Observou a todos ao seu redor e viu como buscavam desesperadamente por algo que fizesse sentido. Alguns provavelmente nem sabiam onde estavam, outros se agarravam a uns e bizarrices do gênero.

Foi quando teve certeza de suas teorias mais peculiares e sentiu-se prazerosamente infeliz.
Qualquer um que se considere "normal" ao ler textos, presenciar, ou até mesmo ser o protagonista de situações desta natureza, sentir-se-ia de forma oposta "a ser feliz".
Se ser feliz é sentir-se bem, concluiu, por mais paradoxal e sem sentido que possa parecer, que a infelicidade o fazia feliz. Era um infeliz feliz.

Voltando aos acontecidos locais, desempenhou com louvor as convenções sociais solicitadas e, até por assim dizer, divertiu-se no evento.

"Rodeado de pessoas e senti-se só"

A clichê e famosíssima frase não veio por acaso. Serviu para concluir e coroar a noite que a pessoa por trás de tão bela frase, era um gênio, embora não tivesse o sentido aqui colocado por ele. Concluiu que era uma arte.

E sentiu-se mais uma vez só, exctasiado consigo mesmo, miseravelmente infeliz!


¹termo equivalente a "amigo"

Versando sobre coceiras

Era algo que incomodava, tipo uma coceira.
Realmente coçava, e passava. Sempre.
Era assim que ele se sentia em relação a uma tal de saudade.

Foi quando, em uma despedida em seis pra treze, sua mãe disse:

"Quando ficares, vais entender."

Acomodado na desconfortável poltrona do fundo, confortavelmente pensou:

"Eu já fiquei."

E concluiu que as mães também erram. Nem sempre, mas erram.

domingo, 2 de agosto de 2009

Por Que?

Chovera torrencialmente durante toda a manhã. Os pingos de chuva ricocheteavam a janela; ele não estava irritado, até gostava, pois deixava o clima um pouco mais ameno, mas é que as ruas costumavam ficar alagadas, e as calçadas escorregadias.
Percorrera o caminho de sempre, e possuía o detalhe de cada rua, cada ladrilho, de cada loja, mas algo lhe deixava intrigado: nunca eram as mesmas as pessoas que passavam por ele. Uma ou outra talvez; sempre havia gente nova.
Enquanto pensava, uma senhora de passos lentos e calculados vinha em sua direção. Os anos somado a calçada escorregadia fizeram com que a pobre desse de joelhos nos ladrilhos. Sem titubear, ele segurou-a pelo antebraço e pelo cotovelo, ajudando-a a erguer-se.

-A senhora está bem? Algum machucado? Está doendo?

-Estou bem, meu filho... - disse com um sorriso meio sem graça.

-Mais cuidado da próxima vez!

E continuou andando. Achava que ela estava bem, fora apenas um escorregão, nada de mais. Apesar da idade, parecia uma mulher forte.

-Por que? - ela perguntou depois que ele estava a menos de um metro de distância.

-Desculpa? - disse, virando-se.

-Por que você me ajudou, jovem rapaz?

-Bem, a senhora caiu...

-Que Deus te abençõe.

Deu-lhe as costas e continuou caminhando com seus passos lentos e calculados.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Pedaços

Aquela notícia me quebrou em mil pedaços. Muito dos quais ficaram por lá. Dos poucos que pude trazer apenas alguns me foram úteis. Não foram suficientes. O espaço, o vazio era enorme. Precisava dos demais pedaços para me sentir completo
Perdi-me vivendo em erros e então vieste a mim. Assustei-me, logo passou. Conversamos, sorrimos e a medida que nos relacionávamos me sentia cada vez mais "eu". Teu bálsamo me embriagava. Finalmente pude entender tudo: tens exatamente todos os pedaços que me faltam. Feliz, afoito e inocente corri em tua direção e te pedi para compartilhar teus pedaços comigo...
Depois do "não" que vi em teus olhos não me lembro de mais nada. Percebi que teus pedaços não completavam apenas a mim e me conformei com o pouco que pudeste me dar

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Perfume

Finalmente conseguiu: a rosa que tanto cativou, cuidou e regou, finalmente brotou. Suas pétalas lisas e macias, que eram um pouco manchadas, deixavam-na ainda mais bela. E eram tão brancas que davam ao dourado dos raios de sol um amarelo especial. Seu perfume... ah, seu perfume... era o que ele mais gostava, todo o cansaço ia embora quando sentia aquele aroma.
Sentiu-se orgulhoso e ao mesmo tempo frustrado. Lembrou-se de quando achou a semente no hospital; de quando arou aquele enorme terreno (sim, ela precisava de muito espaço, pois era especial!); do tempo em que perdeu dando-lhe atenção; de quantas ervas daninhas teve que arrancar.

"Será que valeu mesmo a pena?"

Sim, ela era grato a ele, fazia-lhe companhia, às vezes e deixava-lhe sentir seu olor... mas ele queria mais, queria a mesma dedicação e amor que havia dado a sua rosa.

"Não seria pedir demais a uma flor?"

Sim... era o que ele achava... essas coisas não se pedem, principalmente a uma flor. Talvez, com um pouco mais de adubo e de terreno (e tempo...), ele conseguisse. Mas estava cansado, havia despertado a inveja de outros jardineiros e perdido a amizade de tantos outros. "Você só se dedica a essa rosa?";"Pára de perder tempo";"Eu não gosto desse jardineiro". Sem falar nas outras plantas que havia deixado morrer.

Fitava-a com ternura, e era tão linda, tão cativante, tão especial, tão cheirosa, tão... tão...

Se fosse preciso, faria tudo de novo. Tudo para poder sentir, ao menos, sua fragrância...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

?

Não sabia ao certo, aliás, não sabia, como tudo havia ocorrido até então. Foi rápido e intenso. Já pensava nessas coisas, nunca com tanta frequência, nem tão pouco com tanta consciência. Se existia algo que odiava, era agir de forma inconsciente. Claro, não dá para se agir de forma consciente o tempo todo, mas, sempre que possível, tentaria.
Pensou nas possibilidades, coincidências, fatos. Formulou teses e
até mesmo respostas, quase sempre, equivocadas.
No fim, conseguiu apenas fazer-se duas perguntas:
"Seria a vida uma grande paciência com todas as cartas já marcadas? Poder-se-ia escolher, ao menos, onde por as cartas reveladas?" "Ou seria a vida um dado gigante de infinitas faces, cujos eventos são tão aleatórios quanto o próprio experimento: jogar o dado?"

Qualquer uma das conclusões não seria surpresa. Viver é uma surpresa, e poucos se dão conta disso.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Ás de copas

Metódico e extremamente pontual, não perdia tempo com nada. Tudo era milimetricamente calculado e executado com precisão. Odiava surpresas e coincidências. Conversas, poucas. Raramente expunha seus pensamentos. Guardava teorias. Não sorria. Não gostava de humor e tão pouco de leitura. E não sentia falta de nada nem de ninguém. Chato, anacrônico e ultrapassado. Seu coração, que mais parecia um iceberg, estava envolto em uma muralha de concreto.

Até que a conheceu. Fulminantemente e sem perceber, passou a gostar dela, e mais que isso: da sua companhia cativante, dos seus cabelos dourados, do seu perfume suave, dos seus olhos miúdos, da sua boca risonha, da sua voz de veludo...

As horas passam a ser marcadas pelo horário dela. O tempo, antes nunca perdido, é calculado para que o máximo seja passando com ela. Passou a ver coincidêcias em tudo e criar surpresas para agradá-la. Conversas, muitas, e todas, com ela. Seus pensamentos fluem como um rio de planície. Expõe suas teorias só para ouvi-la chamá-lo de maluco. Adora sorrir e principalmente vê-la sorrir. Ri das piadas dela e lê inúmeros livros (todos recomendados por ela). Sente falta dos momentos e dela... Chato, anacrônico e ultrapassado. Seu coração, que mais parecia um iceberg, derreteu, e a muralha cedeu.

Era tarde demais para se arrepender

terça-feira, 30 de junho de 2009

Recordação

Agora que fora reconhecido resolveu escrever mais. Infelizmente (ou felizmente, depois chegaria a esta conclusão), não é bem assim que as coisas são. Precisava dela. Da sua velha amiga que chegara muitas vezes - todas para falar a verdade - sem avisar.

"Sobre o que escrever?". E sentiu raiva de si mesmo por não recordar de nada...

"Isso! Recordar!"

Lembrou, ou melhor, recordou da estranha conversa que tivera tempos atrás com seu amigo, Álvaro. Era isso que escreveria.

Depois de cumprimentá-lo com o forte e costumeiro aperto de mão, além do cordial 'como está, amigo?', o amigo Álvaro (era, assim que ele sempre o chamava) perguntou:

"O amigo sabe o que significa decorar?"

"Memorizar sem aprender?" - respondeu quase que instantaniamente

"Todos pensam isso! Aliás as pessoas são mestres em deturpar os significados, amigo!" - disse o amigo Álvaro após uma gostosa risada

"Então... o que seria?" - Perguntou meio sem graça

"Mas não fiques assim, amigo. Veja bem. Decorar significa, em sua origem latina, saber de cor (ou cordis) ou em bom português: saber de coração!" - afirmou o empolgado Álvaro

Sua surpresa era tamanha que não sabia o que dizer. Apenas fez sinal de que havia gostado e pediu para o amigo prosseguir.

"Então, quando uma pessoa decora um poema, um assunto de matemática ou até mesmo a fisionomia de uma pessoa, significa que ela usou além do cérebro, o coração...!"

Rapidamente pensou nas inúmeras coisas que havia decorado e concluiu que era por isso que não conseguia esquecê-la...

"Ah, e tem mais!" - declarou o agora empolgadíssimo Álvaro - "o amigo sabe o que significa recordar?"

"Não" - respondeu simplesmente

"Recordar é trazer de volta, para junto do coração, algo que havíamos decorado"

O sinal tocou interrompendo a conversa. Levantou-se, agradeceu pela 'aula' e despediu-se o amigo. A partir daquele momento decidiu que iria decorar mais as coisas, embora fosse poucas as que faria questão de recordar.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Partida

Despediu-se dos pais, dos avós, dos amigos. Da terra, dos pássaros e dos paralelepípedos. Reteve fortemente cada lágrima que batia em seus olhos. Tinha que ser forte, ao menos fingir. Entrou no ônibus e tentou pensar outros pensamentos. Futebol, política... nada. Era impossível tentar esconder a tristeza da partida.

Mas algo chamou a atenção.

Acontecia de novo. O ar, os galhos, os pássaros e até as casas cujas boas-vindas outrora o deram, pareciam agora despedirem-se dele. A sinfonia de cores - regida pelas mesmas nuvens pomposas do início - tornaram-no, neste momento, depressivo.

"Deus é irônico...". E o cansaço chegou, fazendo a poltrona virar cama novamente.


Chegada

Dormira todo o caminho. A poltrona não era das mais confortáveis, mas o cansaço a transformou em cama. Retirou o relógio do bolso esquerdo e rapidamente fez os cálculos: chegaria em poucos minutos. Para sua surpresa foi bem antes do que imaginava. Nariz, ouvidos, pele. Todos os sentidos, em uma sinfonia de de cores, denunciaram a chegada imprevista (embora metódico, adorava surpresas). O ar penetrou em suas narinas trazendo o velho aroma da terra molhada. O som dos galhos das árvores, do canto pássaros fizeram o estribo, o martelo e a bigorna pulsarem. O frio - ah, o frio! Há tempos não sentia frio! - soprou gelado fazendo todos os poros de sua tez arrepiarem. Os olhos... conseguiu lembrar a localização exata de cada paralelepípedo, a cor de cada casa. As nuvens altas e pomposas pareciam dar asboas-vindas. Era ali onde ele queria estar.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Ciclo

Acontecera de novo. "Por que comigo?", Por que é sempre assim?"
"Por que, Por que?!". Mal disse a vida, Deus, o mundo.
Estava cansado de se conformar, de dar tudo errado.

Sempre acontecia quando estava de cabeça quente.

Tomou uma ducha, fez seu lanche e leu um trecho do livro do
qual estava atrasado.

E esqueceu.

"A vida tem dessas coisas". Repousou o livro sobre a
escrivaninha, fechou os olhos, agradeceu e dormiu.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Aposta

Foi de repente, ele não esperava. Aquela carta de copas
no ônibus chamou sua atenção e inconscientemente já sabia
que ia acontecer de novo. Começou devagar, com pequenas
apostas e ele estava se divertindo, havia esquecido o quanto
perdeu. O sinal deu alerta várias vezes, mas preferiu ignorar.
"Não, desta vez será diferente, está tudo sob controle".
Ganhou todas que apostou e aquele sentimento voltou a
atormentá-lo. Resistiu o quanto pode e embora dissesse para
si mesmo que já era suficiente, o sentimento o levou a pensar
nos velhos 100% de garantia. "Contentar-se ou apostar tudo?".
Apostou tudo.
Perdeu tempo, a cabeça, o coração.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Vovó

Senti a atmosfera mais densa ao acordar. Previsão do que seria aquele dia. Fui vendo e ouvindo coisas que me abateram profundamente. Decepções seguidas que me fizeram pensar porque eu ainda acreditei. Desejei não ter tido conhecimento de nada daquilo. Minha Vovó sempre diz que é melhor conhecer a realidade a viver na ilusão. E quem disse que desejo o melhor? Tentando não sofrer aumentei ainda mais a solidão. Já estava tão acostumando que não senti dor e me senti mais tranqüilo. Deitei e antes de dormir pensei: "amanhã é um novo dia, não é?". Não houve resposta

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ela

Aquele era o único som que fazia meu tímpano vibrar veementemente. E eu o escutei. "Aqui? Agora? Impossível!" - pensei. Repetiu-se tantas vezes que parecia me chamar, como antes. Tive que conferir. Abri a porta e os cabelos, que a poucos metros de mim estavam, refletiram a luz (sim, aquela luz!) que faziam meus olhos cintilarem. Quase que no mesmo instante meu nariz captou as mesmas moléculas daquela inesquecível fragrância. Não me contive. Usei o penúltimo sentido. A maciez da pele não era a mesma. Meus olhos, que outrora haviam me enganado, confirmaram o equívoco. Desapontado, desculpei-me da estranha. No caminho de volta para o quarto lembrei o número do meu CPF. Feliz, sentei na cadeira e voltei a admirar o grafite do céu.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Adaptação

Era mais uma manhã cinza. Pensei que já havia me acostumado com a ausência do azul, do verde, do marrom. Os motores dos carros pareciam substituir bem os pássaros e a música do celular o som da voz da minha mãe...
Mas hoje foi diferente. Acordei e senti uma vontade estranha de me ver. Fui ao espelho. No breve espaço de tempo entre a cama e o banheiro percebi que meu mundo era uma farsa. Tudo que eu pensava era uma farsa. Eu era uma farsa. Cheguei ao espelho e para minha surpresa me vi.
Acordei subitamente. Era só um sonho. Olhei ao redor e nada havia mudado, mas senti algo diferente