"Alô, quem fala?"
"Não importa."
"Hã? Quem fala?"
"Só preciso de cinco minutos."
"Sim, mas preciso saber... Espera aí, é você?"
"Não importa."
"Agora tenho certeza que sim."
"Pode ser, mas não importa, quero apenas cinco minutos."
"Como conseguiu meu telefone e por que a essa hora?"
"Telefone, não importa. A hora, estou com sede."
"Sede? Mas do que diabos...?"
"Não gosto nem preciso tomar água, mas se serve de desculpa, o determinismo biológico diz que estou com sede."
"Se for você mesmo e se eu estiver acompanhando o raciocínio, porque simplesmente não conversou com um estranho na rua, ou com o caixa do
supermercado? É você mesmo?"
"Vejo que continuas a mesma. Se sou eu, já disse: não importa. Quanto a conversar com estranhos, costumava ser suficiente, mas desde de que bebi de uma água específica, os intervalos de sede se tornaram cada vez menores e insaciáveis."
"Se ainda acompanho, estás a falar de paixão? saudade?"
"Paixão é algo humano, o que sinto está mais para 'dependência química'. Saudade é sentir falta e querer de volta; sinto falta apenas."
"Impossível sentir falta e não querer de volta, ver novamente"
"Compraste um carro novo e sente falta do antigo. No entanto não queres o antigo de volta."
"Sabe, eu gosto de você..."
"Mesmo que fosse verdade, impossível gostar de alguém em apenas uma conversa e ainda mais se for tão louca quanto essa e isso não tem haver com água ou carros."
"Se essa for a primeira vez que conversamos..."
"E se eu for quem achas que sou..."
"Já teria desligado caso contrário..."
"Acho que já é o suficiente,
cherie."
"Então é isso, ficamos por aqui e... como?
cherie?! eu sabia que era v..."
Já passara os cinco minutos e era mais do que o suficiente. Desligou o celular que voltou a tocar insistentemente algumas vezes. O toque foi friamente escolhido e a música o ajudou a dormir. Não bebeu mais daquela água desde então, sabia como era perigoso saciar-se duas vezes na mesma fonte.