terça-feira, 30 de junho de 2009

Recordação

Agora que fora reconhecido resolveu escrever mais. Infelizmente (ou felizmente, depois chegaria a esta conclusão), não é bem assim que as coisas são. Precisava dela. Da sua velha amiga que chegara muitas vezes - todas para falar a verdade - sem avisar.

"Sobre o que escrever?". E sentiu raiva de si mesmo por não recordar de nada...

"Isso! Recordar!"

Lembrou, ou melhor, recordou da estranha conversa que tivera tempos atrás com seu amigo, Álvaro. Era isso que escreveria.

Depois de cumprimentá-lo com o forte e costumeiro aperto de mão, além do cordial 'como está, amigo?', o amigo Álvaro (era, assim que ele sempre o chamava) perguntou:

"O amigo sabe o que significa decorar?"

"Memorizar sem aprender?" - respondeu quase que instantaniamente

"Todos pensam isso! Aliás as pessoas são mestres em deturpar os significados, amigo!" - disse o amigo Álvaro após uma gostosa risada

"Então... o que seria?" - Perguntou meio sem graça

"Mas não fiques assim, amigo. Veja bem. Decorar significa, em sua origem latina, saber de cor (ou cordis) ou em bom português: saber de coração!" - afirmou o empolgado Álvaro

Sua surpresa era tamanha que não sabia o que dizer. Apenas fez sinal de que havia gostado e pediu para o amigo prosseguir.

"Então, quando uma pessoa decora um poema, um assunto de matemática ou até mesmo a fisionomia de uma pessoa, significa que ela usou além do cérebro, o coração...!"

Rapidamente pensou nas inúmeras coisas que havia decorado e concluiu que era por isso que não conseguia esquecê-la...

"Ah, e tem mais!" - declarou o agora empolgadíssimo Álvaro - "o amigo sabe o que significa recordar?"

"Não" - respondeu simplesmente

"Recordar é trazer de volta, para junto do coração, algo que havíamos decorado"

O sinal tocou interrompendo a conversa. Levantou-se, agradeceu pela 'aula' e despediu-se o amigo. A partir daquele momento decidiu que iria decorar mais as coisas, embora fosse poucas as que faria questão de recordar.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Partida

Despediu-se dos pais, dos avós, dos amigos. Da terra, dos pássaros e dos paralelepípedos. Reteve fortemente cada lágrima que batia em seus olhos. Tinha que ser forte, ao menos fingir. Entrou no ônibus e tentou pensar outros pensamentos. Futebol, política... nada. Era impossível tentar esconder a tristeza da partida.

Mas algo chamou a atenção.

Acontecia de novo. O ar, os galhos, os pássaros e até as casas cujas boas-vindas outrora o deram, pareciam agora despedirem-se dele. A sinfonia de cores - regida pelas mesmas nuvens pomposas do início - tornaram-no, neste momento, depressivo.

"Deus é irônico...". E o cansaço chegou, fazendo a poltrona virar cama novamente.


Chegada

Dormira todo o caminho. A poltrona não era das mais confortáveis, mas o cansaço a transformou em cama. Retirou o relógio do bolso esquerdo e rapidamente fez os cálculos: chegaria em poucos minutos. Para sua surpresa foi bem antes do que imaginava. Nariz, ouvidos, pele. Todos os sentidos, em uma sinfonia de de cores, denunciaram a chegada imprevista (embora metódico, adorava surpresas). O ar penetrou em suas narinas trazendo o velho aroma da terra molhada. O som dos galhos das árvores, do canto pássaros fizeram o estribo, o martelo e a bigorna pulsarem. O frio - ah, o frio! Há tempos não sentia frio! - soprou gelado fazendo todos os poros de sua tez arrepiarem. Os olhos... conseguiu lembrar a localização exata de cada paralelepípedo, a cor de cada casa. As nuvens altas e pomposas pareciam dar asboas-vindas. Era ali onde ele queria estar.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Ciclo

Acontecera de novo. "Por que comigo?", Por que é sempre assim?"
"Por que, Por que?!". Mal disse a vida, Deus, o mundo.
Estava cansado de se conformar, de dar tudo errado.

Sempre acontecia quando estava de cabeça quente.

Tomou uma ducha, fez seu lanche e leu um trecho do livro do
qual estava atrasado.

E esqueceu.

"A vida tem dessas coisas". Repousou o livro sobre a
escrivaninha, fechou os olhos, agradeceu e dormiu.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Aposta

Foi de repente, ele não esperava. Aquela carta de copas
no ônibus chamou sua atenção e inconscientemente já sabia
que ia acontecer de novo. Começou devagar, com pequenas
apostas e ele estava se divertindo, havia esquecido o quanto
perdeu. O sinal deu alerta várias vezes, mas preferiu ignorar.
"Não, desta vez será diferente, está tudo sob controle".
Ganhou todas que apostou e aquele sentimento voltou a
atormentá-lo. Resistiu o quanto pode e embora dissesse para
si mesmo que já era suficiente, o sentimento o levou a pensar
nos velhos 100% de garantia. "Contentar-se ou apostar tudo?".
Apostou tudo.
Perdeu tempo, a cabeça, o coração.